quarta-feira, julho 02, 2008

tarsilica
esbaforida, imaginei que estava atrasada, mas ainda tinhamos tempo, cheguei com carro emprestado e troquei Lucas por Hera no banco traseiro, que nesta viagem iria todo forrado.
a clinica era discreta, subi a rampa de acesso ao estacionamento pensando na descida segurando Hera no colo, ou puxando-a dentro de sua dolorosa locomoção. chegamos à porta, pedi o elevador, pois ela não conseguiria subir as escadas. ao sair do elevador, demos de cara com um labrador e um rottweiler. o segundo logo se levantou e ameaçou a presença dela no ambiente. não que ela não tenha levantado suas orelhas e mostrado os dentes, mas eram dois cães de porte pesado e não seria muito fácil contê-los.
passamos pela recepção e logo vieram os elogios, com ela é grande e que bonita ela é.
sentamos na sala de espera: relaxei, mas Hera continuava ofegante.
esperamos
esperamos
até que fomos chamados para o ultrassom. este sim foi uma ginástica, pois tivemos que virar Hera de modo que sua barriga ficasse para cima, ela sem entender muita coisa, deixou que a puséssemos em cima da maca com as patas para cima enquanto sua barriga era tosada para o exame. o tempo foi passando e com ele sua paciência de cão. a dificuldade de segurá-la teve de ser amenizada por palavras tranquilizadoras de alguém conhecido.
descemos da maca, passamos novamente para a tal da recepção. nessa hora pensei em tudo que vivi com Gaia, será que eu passaria tudo que passei com a mãe da Hera novamente? seria eu capaz de me afeiçoar de tal maneira a sofrer perdas como a da Gaia?
eu vi a Hera nascer, alias só nasceu por que desisti de ir para a faculdade a pedidos insistentes da prenha Gaia, que não me deixou em paz até que eu me sentasse ao seu lado e ela começasse a parir todos aqueles lindos filhotinhos. ela não deixou mais ninguém chegar perto a não ser eu.

que situação: todos os seres humanos da sala sentados ali, naquele mesmo ambiente, cada qual com sua coleira, sua caixinha, seu cobertor, sua roupa canina, segurando seu pertence. mas claro, todos eles recebendo cuidados, mas sem exceção, presos, todos eles. quem levava quem na coleira afinal? estava tão mergulhada naquela situação, era de fato a única que conversava com seu bicho de estimação.
mas mesmo assim me sentia à parte daquele ambiente canino: não era dona da Hera e nem era minha aquela realidade, estava ali apenas para cuidar da herdeira de minha dona, Gaia. Era uma realidade momentânea apenas. os donos, tendo suas preocupações cada qual em sua cabeça, segurando seus 'animais de estimação'. tive vontade de soltar a Hera na natureza, mas perai: que natureza ela pertence a não ser essa natureza urbana caseira? ela não é um leão criado em cativeiro que possui seus instintos mais selvagens. não seria cabível deixar um pastor alemão na mata para viver, não é da natureza deles!
só aí e dei conta que não podems fugir disso, dessa realidade urbana sócio econômica: bichos de estimação também vão aos 'fleurys' de cachorros, tiram sangue, fazem ultrassom e tem que esperar os laudos na sala de espera.
sim, são os mesmos bichos que frequentaram nossa casa desde que éramos crianças, que circulavam tranquilamente nos cômodos e entre as visitas, eram dóceis e, quando escapavam para a rua, logo voltavam depois de explorar a vizinhança. aqueles bichos que comiam os restos de nosso almoço ou jantar, aquele bicho que ia no nosso carro viajar conosco porque éramos incapazes de deixá-los abandonados em casa, e que nossa maior diversão era dar banho nele nos finais de semana.
nem por isso tivemos doenças e fomos maltratados pelos cães que eram parte de nossa família.
certo que continuam fazendo parte da família, mas vejo-os com mais cara de 'pertences' que aliás custam muito caro, pois a ração tem que ser de primeira, o pet shop tem que marcar hora e veterinário recomenda extração de dentes e exames de ultrassom e sangue em jejum.

estamos deixando nossos bichinhos de estimação cada vez mais parecidos conosco?

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